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Revista Ibero-Afro-Americana de Geografia Física e Ambiente

Iberian-African-American Journal of Physical Geography and Environment

Vol. 1, nº 2, 2019, 61-81. ISSN: 2184-626X

https://doi.org/10.21814/physisterrae.2254

O geopatrimônio e o potencial geoturístico no Distrito Federal, Brasil

The geoheritage and the geoutouristic potential in Distrito Federal, Brasil

Gabriella Emilly Pessoa, Laboratório de Geoiconografia e Multimídias, Departamento de Geografia, Universidade de Brasília, Brasil, gabriellaemilly@gmail.com

/var/folders/8f/cpk7w_dj7h1db30c95n8xc9h0000gn/T/com.microsoft.Word/Content.MSO/705B7BE2.tmp https://orcid.org/0000-0001-6413-0697

Karen Aparecida de Oliveira, Laboratório de Geoiconografia e Multimídias, Departamento de Geografia, Universidade de Brasília, Brasil, kaadeoliveira@gmail.com

/var/folders/8f/cpk7w_dj7h1db30c95n8xc9h0000gn/T/com.microsoft.Word/Content.MSO/705B7BE2.tmp https://orcid.org/0000-0001-5730-2294

Venícius Juvêncio de Miranda Mendes, Centro Universitário Projeção, Brasília, venicius.unb@gmail.com

/var/folders/8f/cpk7w_dj7h1db30c95n8xc9h0000gn/T/com.microsoft.Word/Content.MSO/705B7BE2.tmp https://orcid.org/0000-0002-7774-0694

Valdir Adilson Steinke, Laboratório de Geoiconografia e Multimídias, Departamento de Geografia, Universidade de Brasília, Brasil, valdirsteinke@gmail.com

/var/folders/8f/cpk7w_dj7h1db30c95n8xc9h0000gn/T/com.microsoft.Word/Content.MSO/705B7BE2.tmp https://orcid.org/0000-0002-8738-6975

Resumo: O presente trabalho buscou abordar o geopatrimônio, a geoconservação e o geoturismo, apresentando um diagnóstico dos locais potenciais de interesse ao geopatrimônio. Partiu-se de mapear dois cenários: um com base em pontos de cunho geoturístico — sendo as principais cachoeiras e cavernas do Distrito Federal (DF), Brasil — e, num segundo contexto, foram utilizadas as jazidas minerais como recurso geocientífico, especialmente para o entendimento do potencial patrimonial da gênese geológica e geomorfológica do Distrito Federal. Assim, a pesquisa teve como objetivo indicar os locais em que os processos de origem da paisagem possam ser observados de maneira peculiar, abrigando a geodiversidade e o geopatrimônio da unidade federativa, oferecendo um novo olhar geográfico sobre o potencial geoturístico e educacional científico na região, propiciando a preservação e conservação do meio-ambiente. Essa abordagem, centrada nos aspectos descritos, resultou em um mapa com mais de duzentos pontos de interesse ao patrimônio geomorfológico no DF. A partir disso, foi possível propor uma nova metodologia, na qual a dinâmica do espaço-tempo é fundamental: a variação dos valores comumente atribuídos ao geopatrimônio num período de 12 meses.

Palavras-chave: Geodiversidade; Geoconservação; Potencial educacional científico; Dinâmica da paisagem; Variação dos valores da paisagem.

Abstract: This study sought to approach geoheritage, geoconservation and geotourism, presenting a diagnosis of potential points of interest for geoheritage. In the beginning of the study, two scenarios were mapped: the first one was based on geotourism spots — mainly the main waterfalls and caves in the Federal District (DF) of Brazil — and, on the second one, quarries were used as scientific resource, primarily for the understanding of the geological and geomorphological genesis of potential heritage sites in the Federal District. Therefore, this research aimed to indicate places where genetic processes of the landscape can be noticed in a peculiar way, which encompasses geodiversity and geoheritage. Thus, this work offers a new geographic look about geotouristic, educational and scientific potential in the region, providing the preservation and conservation of the environment. This approach, centered in the described aspects, resulted in a map with more than two hundred points of interest to the geomorphological heritage in DF. From that, it was possible to propose a new methodology, in which the space-time dynamics is fundamental: the variation of values typically atributted to geoheritage in a 12 month period.

Keywords: Geodiversity; Geoconservation; Scientific educational potential; Landscape dynamics; Landscape value variation.

Introdução

O território do Brasil Central carrega, na sua construção geohistórica, desde os processos geomorfológicos complexos, que cunharam a configuração atual do relevo, até os elementos culturais de apropriação antrópica destas terras. Obviamente, são processos com temporalidades distintas, mas que, ao se apresentarem como complementaridades na formação da paisagem, revelam as especificidades de uma região ainda inexplorada pelos estudos de patrimônio geomorfológico e da geoconservação.

Neste recorte, atualmente denominado de Brasil Central, se insere o Distrito Federal do Brasil. Este se apresenta como uma amostra significativa e relevante do percurso geohistórico, pois os elementos estruturais da paisagem foram os argumentos centrais da inserção da Capital Federal nesta região. Tal ação foi o grande propulsor de um acelerado modelo de transformação dessa paisagem.

Portanto, buscar, no quadrilátero delimitado para assentar a capital da República Federativa do Brasil, elementos que possam ser os tradutores da origem e evolução do relevo local e regional, bem como os registros da presença antrópica e contextualizar isso no que se pretende tratar como patrimônio geomorfológico e geoconservação, se faz oportuno e necessário para o entendimento da evolução desta paisagem.

O presente estudo busca encontrar os pontos de interesse ao geopatrimônio para potencializar o geoturismo no Distrito Federal, unidade federativa no qual está localizado a capital do Brasil, Brasília. O termo geopatrimônio pode ser compreendido como o conjunto de valores que representam a geodiversidade. Esta geodiversidade é baseada nas características físicas originais, interagindo com as medidas de geoconservação e divulgação, tanto científica como socio-governamental, promovendo a interpretação de geossítios a partir da análise dos processos que ocorrem na dinâmica da paisagem. Essa abordagem pode resultar em benefícios à comunidade, como o turismo e a educação científica observacional. Além disso, é importante ressaltar a nova proposta metodológica de alteração dos valores pertencentes ao geopatrimônio ao longo do tempo.

1. Referencial teórico

O termo geopatrimônio surgiu no Reino Unido devido à preocupação em preservar o patrimônio geológico. Neste sentido, o geopatrimônio e a geoconservação são dois termos que podem ser estudados em conjunto, tendo como base as características físicas da paisagem, utilizadas pelas Ciências da Terra em diversas escalas, que necessitam ser preservadas. Sendo assim, a geoconservação provém do geopatrimônio: este é considerado um atributo geológico natural que possui valor intrínseco, enquanto aquele é a ação em torno da preservação de um geopatrimônio. O geopatrimônio deve ser enfatizado pela diversidade de rochas, fósseis, minerais e propriedades petrogenéticas que podem indicar alteração na geologia do sítio analisado e englobam a geomorfologia — resultado do clima e das forças terrestres. (Brocx, Semeniuk, 2007)

Desta forma, a geoconservação é a conservação da geologia e da geomorfologia dos sítios analisados. O reconhecimento de um geopatrimônio deriva da importância em entender que a Terra sofreu e sofre com inúmeros processos resultantes dos diversos elementos presentes no sistema. Estes processos resultam em recursos para o desenvolvimento humano, seja econômico, social, estético ou cultural. Atualmente, os sítios de geoconservação estão em risco em diversos países devido à exploração de recursos, o que cabe ao governo tomar decisões para proteger o geopatrimônio. O papel do governo na geoconservação é a criação de políticas públicas que definam o papel das agências governamentais e que dispersem o conhecimento sobre o geopatrimônio e a importância da geoconservação, como exemplo, é possível citar os geoparques. (Brocx, Semeniuk, 2007; Gray, 2004)

A geodiversidade é tomada como a diversidade geológica, geomorfológica e pedológica existente, incluindo suas composições, relações, sistemas e interpretações. Os valores da geodiversidade são múltiplos, tendo valores intrínsecos, culturais, estéticos, econômicos, funcionais e científicos/educacionais. Os valores fazem parte dos “serviços geossistêmicos”, que seria o equivalente geológico de “serviços ecológicos”. Muitas vezes foi-se utilizado o termo geodiversidade no lugar de geopatrimônio, contudo, são termos diferentes, já que geodiversidade é a diversidade geológica e geomorfológica intrínseco ao geopatrimônio. (Gray, 2004; Gray 2008; Brocx, Semeniuk, 2007)

O geopatrimônio é definido por um conjunto de elementos abióticos que devem ser preservados devido ao seu valor patrimonial, no qual resultaria da geodiversidade de um determinado local. Em geopatrimônio, há evidência da evolução e formação terrestre, dos impactos por meteoritos, da evolução da vida, dos movimentos de placas tectônicas, da formação de rochas e minerais, da evolução de desertos, das áreas glaciais e da alteração do nível do mar e como eles afetaram a Terra. O geopatrimônio se fundamenta na peculiaridade dos geossítios (áreas que possuem interesse científico geológico). A geoconservação destes sítios se dá pela proteção contra danos de residentes e turistas às características geológicas, chaves para um melhor entendimento da evolução da Terra e passível de possuir variados aspectos ambientais, biológicos e ecológicos que se alteram no espaço-tempo, sendo isto considerado como geodiversidade. (Rodrigues, Fonseca, 2008; Rodrigues et al., 2011; ProGEO, 2011)

Geodiversidade é um termo flexível e útil para a descrição complexa da Natureza, além de ser o principal apoio para o patrimônio geológico. À vista disso, ela é mensurada pela quantidade de elementos que fazem parte da unidade geomorfológica, sendo um indicador de riqueza abiótica e um componente individual do patrimônio natural. A gestão da paisagem, seja qual for, deve levar em consideração a visão da população local sobre tais paisagens: a consciência local tem uma relação com a informação, com o orgulho e com interesses econômicos, que não seguem a visão científica estrita. A abordagem flexível científica e multidisciplinar pode ser usada como uma vantagem, mas não como uma regra, o que não só agrega o valor da paisagem, mas também agrega um “valor especial” ao geopatrimônio e, assim, englobando povos, seus assentamentos e cultura em contato com a biodiversidade, com terras agricultáveis e os fenômenos evolutivos. Durante a história da humanidade, diversos fatores sociais sempre estiveram em contato com a paisagem física, dandoa ela novos significados e valores. (Erikstad, 2012; Erikstad et al., 2008; Piacente, 2005)

Hose (2000) conceitua o geoturismo como um fornecimento de instalações e serviços interpretativos que possam promover o valor e benefício social de sítios geológicos e geomorfológicos e suas matérias-primas. Com isso, o geoturismo certificaria a conservação desses sítios para o uso de estudantes, turistas e outros recreacionistas. Em contraponto a Hose (2000), Gray (2008) afirma que a melhor forma de assegurar o geopatrimônio e sua geoconservação é através da educação, de legislações e políticas públicas.

O geoturismo é um nicho do turismo, porém, é sustentável e especializado na forma natural terrestre, abordando as formas e processos geológicos e englobando todos os componentes turísticos — atrações, acomodações, turnês etc. É a visita turística aos geossítios e a conservação da geodiversidade, além de ensinar aos geoturistas as Ciências da Terra, gerando neles uma apreciação pelo planeta de forma ambiental, cultural e educacional. Seu principal objetivo é gerar satisfação ao turista e benefícios aos moradores locais. Ademais, o geoturismo pode ser visto como ferramenta para a conservação, disseminação e valorização do histórico da Terra, realçando e sustentando a identidade de um território: sua geologia, cultura, estética, seu patrimônio, ambiente e bem-estar dos residentes locais. (Newsome, Dowling, 2010; Dowling, 2011; International Congress of Geotourism, 2011)

Rodrigues et al. (2011) definem geoturismo em duas instâncias: em stricto sensu e em lato sensu. Em stricto sensu, o geoturismo é um segmento do turismo no qual há um usufruto sustentável; em lato sensu, o geoturismo inclui o patrimônio cultural, o que aumenta o valor patrimonial do local visitado e aumenta e desenvolve a preservação de áreas que contêm diversidade patrimonial. Portanto, o geoturismo envolve tanto o aspecto cultural como ambiental, tendo como interesse a viagem, o impacto local turístico nas comunidades, tanto no viés econômico como no estilo de vida (Stueve et al., 2002). A importância e o valor do geopatrimônio também deve ir além da comunidade, atingindo os tomadores de decisão por causa dos benefícios científicos, educacionais, geoturísticos e econômicos que o geopatrimônio traz (Prosser et al., 2011; ProGEO, 2017).

Gray (2008) propõe nove métodos para geoconservação — sigiloso, restrição física, recobrimento, escavação ou curação, permissão/licenciamento, benevolência do proprietário, legislação, políticas e educação —, sendo que, em geral, eles podem ser utilizados na maioria dos elementos do geopatrimônio. Mas, como aponta o autor, algumas características locais podem ser muito específicas e não se encaixam em nenhum desses métodos. Desses métodos indicados, o mais imprescindível é a educação, já que contribui para diversas áreas sociais e é essencial para a geoconservação.

Brilha (2014) afirma que atividades de mineração e a geodiversidade podem, sim, coexistir. Neste seguimento, muitas vezes a mineração permite a identificação de geopatrimônio devido ao acesso que a atividade dá às rochas, principalmente minerais e fósseis que foram eleitos como geopatrimônio. Muitas vezes, as minas e jazidas se tornam oportunas ao geopatrimônio porque podem mostrar aspectos geológicos que não veríamos caso aquele local não fosse explorado. Como diversas outras atividades econômicas, a mineração pode causar impactos irreversíveis à geodiversidade e, por isso, é preciso encontrar um equilíbrio entre a mineração e a geoconservação. Principalmente, é necessário utilizar esses locais como potenciais áreas de estudos científicos e educacionais. Assim, abundantes minas ou jazidas desativadas ou que não possuem alto valor econômico podem ser utilizadas para exploração científica, educacional e turística, transformando-as em geopatrimônio. (Brilha, 2014; López-García et al., 2011)

Em conformidade com Kirchner e Kubalíková (2015), formações geológicas e geomorfológicas muitas vezes estiveram conectadas às explicações míticas/sobrenaturais e diversas dessas formações carregam toponímias relativas a superstições. De acordo com os autores, aspectos geomitológicos culminam em uma melhor perspectiva de um sítio, podendo, dessa forma, contribuir com a geoconservação e podendo ser utilizado como locais geoturísticos, que podem apresentar índices de visitantes elevados. Além disso, a geomitologia contribui para criações de identidade dos moradores da região e pode aquecer a economia, caso seja explorado geoturisticamente.

As cavernas e os ecossistemas subterrâneos têm grande importância por serem abrigos para animais e habitat para plantas e cogumelos, formadas principalmente por calcários — rochas facilmente diluídas por água — e possuem cavidades cársticas formadas durante milhares de anos. Podem ser considerados locais míticos, de investigação e de esporte, tendo grandes recursos naturais. Essas cavernas ou grutas (definidas por seu tamanho, forma e condições ambientais) são sistemas subterrâneos nos quais são naturalmente ocos no estrato terrestre que podem ser ou não atravessados por água. (Muñoz-Saba et al., 1998; Ríos-Reyes et al., 2018)

Muñoz-Saba et al. (1998) afirmam que os sistemas subterrâneos são vulneráveis, porque o meio externo tende a modificar as condições ambientais no interior das cavernas, além de existir, dentro do sistema, espécies sensíveis às modificações humanas. Os exemplos destas modificações, conforme o autor, são: construções nos arredores, alterações nas fontes de energia que entram na caverna, desmatamento e extinção de espécies importantes, ocasionando a diminuição da população de animais que habitam as cavernas/grutas, que traz, como consequência, impactos na vegetação circundante. Especificamente, os danos causados pelas ações antrópicas estão relacionados à extinção de morcegos e obstrução de orifícios de cavernas e grutas por lixo e/ou outros resíduos (Ríos-Reyes et al., 2018).

Ainda de acordo com os autores citados anteriormente, os sistemas cársticos possuem funções ecológicas, são elas: reservatórios e drenagem de água, refúgio de espécies endêmicas, reguladores de clima, possuem registro do clima durante milhares de anos e dão lugar a inúmeros fósseis, minerais e evidências de culturas anciãs (Ríos-Reys et al., 2018). Portanto, devido à geodiversidade que cavernas e grutas podem possuir, elas podem ser consideradas como geopatrimônio e possuir grande potencial geoturístico com foco na geoconservação.

Conforme Hudson (1998), as cachoeiras sempre são vistas como fonte de energia, mas pouco é discutido sobre a sua potencialidade para o turismo e recreação. O autor destaca que, embora as cachoeiras possam possuir grande beleza cênica, elas sofrem, muitas vezes, danos por desenvolvimento inapropriado ou por uma má gestão ambiental. Por apresentarem valores cênicos e ambientais importantes, as cachoeiras ainda apresentam fraturas importantes para a análise geológica e geomorfológica, podendo ser consideradas como geopatrimônio e passíveis de geoconservação, além de ser foco de geoturistas.

Neste contexto, a presente pesquisa teve como objetivo ressaltar locais em que os processos de origem e evolução da paisagem possam ser observados de maneira peculiar, os quais são fundamentais para a observação da geodiversidade e, desse modo, potenciais sítios ao geopatrimônio do Distrito Federal do Brasil, oferecendo uma oportunidade ao geoturismo e à difusão educacional e científica para as Ciências da Terra na região, propiciando a preservação e conservação do meio-ambiente.

2. Materiais e métodos

Ao estabelecer um procedimento de análise nesta temática, é notável a diversidade de propostas já amplamente difundidas (Wimbledon et al., 1999; Panizza, 2001; Sharples, 2002; Coratza, Giusti, 2005; Pralong, 2005; Serrano, González-Trueba, 2005; Pereira, 2006; Lima, 2008; Garcia-Cortés, Urqui, 2009; Reynard, 2009; Lima et al., 2010; Regolini-Bissing, 2010; Reynard, Coratza, 2013; Carvalho, 2014; Sousa, 2014; Vieira, 2014; Brilha, 2015; Pereira, Nogueira, 2015; Reynard et al., 2016), o que comprova o esforço científico em busca de soluções e métodos que possam alicerçar os resultados alcançados. Obviamente, cada autor irá defender a sua proposta como a mais adequada e a que leva aos resultados mais robustos. No entanto, em essência, a imensa maioria das propostas parte de uma observação linear pautada por quatro etapas, sendo: 1. inventário; 2. quantificação; 3. mapeamento e 4. qualificação.

Para cumprir com o objetivo proposto de identificar e indicar locais potenciais de interesse ao geopatrimônio no Distrito Federal do Brasil, foi realizado um levantamento bibliográfico em periódicos científicos, preferencialmente internacionais, a fim de dar suporte teórico à discussão sobre o tema do geopatrimônio, geodiversidade, geoconservação e geoturismo com uma maior abrangência, além de fazer um levantamento para a caracterização da área de estudo.

Para a realização do mapa com os pontos de interesse ao patrimônio geomorfológico no DF, foi feita uma seleção de geomorfossítios baseado em dois cenários: em primeiro lugar, com base em pontos de cunho geoturísticos — como cachoeiras e cavernas — e, num segundo momento, foram utilizadas as jazidas minerais como recurso geocientífico, especialmente para o entendimento do potencial patrimonial da gênese geológica e geomorfológica do Distrito Federal (Figura 1).

Figura 1: Fluxograma dos procedimentos metodológicos.

O fluxograma apresentado acima procura articular os elementos geográficos baseados na premissa de análise complexa do território, o qual foi estruturado em quatro etapas: a primeira etapa consistiu na seleção da abrangência territorial do Distrito Federal, a partir de seu limite administrativo, e a sua base geológica-geomorfológica; na segunda etapa, foram selecionados dados geoespaciais das cachoeiras, das cavernas e das jazidas de exploração mineral; a terceira etapa teve como objetivo a relação destes elementos com os valores corriqueiramente atribuídos a eles, a fim de definir seus valores enquanto patrimônio; e, durante a quarta etapa, houve a análise de forma integrada entre os elementos e os valores, sem definição de qualquer escala hierárquica. Esta última etapa foi realizada de modo matricial, na qual todos os elementos estão articulados entre si e todos interagem, de alguma forma, com os valores apresentados pela literatura científica.

Foram realizados trabalhos de campo em alguns desses geomorfossítios, os quais foram identificados, fotografados e estudados in loco. A prática de campo torna-se uma importante ferramenta de análise na medida em que é permitido observar as condições de conservação atual do patrimônio geomorfológico e os acessos existentes, para saber se há, de fato, possibilidades de utilização para fins geoturísticos, geocientíficos e geoeducacionais.

Figura 2: Variação dos valores de uma cachoeira ao decorrer de um ano (12 meses)

A figura 2 apresenta a variação de valores — valor ecológico, valor científico, valor estético, valor educacional, valor sociocultural, valor como recurso — no decorrer de 12 meses. A variação desses valores se dá por causa da dinamicidade do sistema no qual a cachoeira, utilizada aqui como exemplo, está inserida. Os valores recebem uma tonalidade mais escura caso o valor esteja em alta e uma tonalidade mais clara caso o valor esteja em baixa.

Certos valores, como o valor ecológico, valor científico e valor educacional, estão sempre com um valor alto devido às suas funções que são estudadas e pesquisadas a todo o tempo, além de possuir um valor ecológico sempre em alta devido a função ecológica que uma cachoeira representa.

Os valores que podem apresentar baixa são: valor sociocultural, valor como recurso e valor estético. O valor sociocultural representa uma baixa durante o período úmido do DF, pois os riscos de trombas d’água e cheias oferecem risco à população. O valor como recurso apresenta baixa também durante o período úmido, isso devido ao fato de que menos pessoas irão utilizar a cachoeira durante esse período. No entanto, esse valor não apresenta tonalidade tão fraca como o sociocultural pois uma cachoeira durante o período úmido pode apresentar recursos econômicos mais viáveis do que durante o período de estiagem. O valor estético possui uma tonalidade mais clara durante o período de seca devido sua beleza cênica não ser tão explícita quanto nos meses de maior precipitação.

2.1. Área de estudo

O Distrito Federal está inserido na região Centro-Oeste do Brasil, localizado no Planalto Central Brasileiro e compreendendo uma área de aproximadamente 5.814 km². Tem os seus limites definidos ao Norte pelo paralelo 15° 30’, ao Sul, pelo paralelo 16° 03’, ao Leste, pelo Rio Preto e a Oeste pelo Rio Descoberto (Figura 3). Steinke (2003) define o clima da região influenciado por massas tropicais, equatoriais e uma polar. Assim, a região pode ser caracterizada por duas estações bem nítidas: uma úmida e quente (entre outubro a abril) e outra fria e seca (entre maio a setembro) (Steinke, 2003; Martins et al., 2004a).

Figura 3: Mapa de localização geográfica do Distrito Federal, Brasil.

Esta região apresenta uma hidrografia composta por drenagens pertencentes a três das mais importantes bacias hidrográficas brasileiras: a do São Francisco, representada pelo Rio Preto; a do Tocantins-Araguaia, representada pelo Rio Maranhão; e a do Paraná, pelos rios São Bartolomeu e Descoberto. Conforme Steinke (2003), todos os rios são de planalto e as principais bacias identificadas apresentam um padrão de drenagem radial, possuindo ocorrência de perfis escalonados por zonas de corredeiras ou grandes quedas d’água, formando, assim, as cachoeiras. Ainda devido às condições favoráveis dos solos, topografia e clima, a grande maioria dos cursos d’água local apresenta um regime perene (Steinke, 2003).

A área do Distrito Federal encontra-se no setor oriental da Província Estrutural do Tocantins. Mais precisamente, a região está localizada na porção Centro-Sul da Faixa de Dobramentos Brasília, localizado a Leste do Maciço Mediano de Goiás e a Oeste do Cráton de São Francisco (Steinke, 2003; Martins et al., 2004a). A geologia da região, conforme apresentado pela figura 4, é composta por rochas de idade Meso e Neoproterozóica, localizadas nos grupos Canastra e Paranoá, e os grupos Araxá e Bambuí possuem rochas de idade Neoproterozóica (Freitas-Silva, Campos, 1999, apud Martins et al., 2004b).

Figura 4: Mapa de identificação dos grupos geológicos do Distrito Federal, Brasil.

Segundo Freitas-Silva e Campos (1999, apud Martins et al., 2004b), os cavalgamentos provocaram inversões estratigráficas, onde o Grupo Canastra ocorre sobre os grupos Paranoá e Bambuí, o Grupo Paranoá sobre o Bambuí, e o Araxá sobre o Paranoá e Canastra. Para esses autores, os grupos Paranoá e Canastra provavelmente representam unidades cronocorrelatas dispostas lateralmente, enquanto os grupos Bambuí e Araxá representam sedimentos cronocorrelatos depositados em bacias em porções mais internas e externas dentro da Faixa de Dobramentos Brasília.

O Grupo Canastra está situado no vale do Rio Maranhão, nas porções Meio-Norte e Centro-Leste do Rio São Bartolomeu, ocupando cerca de 15% da área total do Distrito Federal. É caracterizado por um conjunto de filitos variados com contribuição restrita de quartzitos, calcifilitos, mármores finos e filitos carbonosos. O Rio São Bartolomeu é representado por um conjunto de sericita filitos, clorita filitos, quartzo-sericita-clorita filitos, metarritmitos e filitos carbonosos, sendo que, de forma mais restrita e descontínua, ocorrem em diferentes níveis quartzitos finos e micáceos. Já no vale do Rio Maranhão, há filitos variados com ou sem delgadas intercalações de quartzitos finos e lentes de mármore associadas lateralmente à calcifilitos. Nesta região, há uma maior ocorrência de fácies de filitos carbonosos, bastante ricas em matéria orgânica (Martins et al., 2004b).

O Grupo Paranoá está distribuído até as proximidades da confluência dos rios Paraná e Tocantins no Estado de Goiás, sendo constituído por rochas metapsamo-pelíticas e carbonatadas encontradas em seis unidades litoestratigráficas: “S”, no qual há ocorrência de metassiltito e ocorre na Chapada do Pipiripau; “A”, caracterizada pela ardósia encontrada na depressão do Paranoá; “R3” é a unidade na qual o metarritmito arenoso ocorre adjacente às fácies ardósia na forma de superfícies planas mais baixas que os topos da Chapada da Contagem no semidomo de Brasília; na unidade “Q3”, temos os quartzitos médios localizados nos topos da Chapada da Contagem e no semidomo de Brasília; “R4” é caracterizada pelo metarritmito argiloso situado nos flancos do semidomo de Brasília; e “PC” é definida como a unidade psamo-pelito-carbonatada que ocorre na Bacia do Rio Maranhão (Martins et al., 2004b).

Steinke (2003) ressalta que a parte central do Distrito Federal apresenta feições semidômicas, condicionando um padrão de drenagem anelar à Bacia do Paranoá, constituído por ardósias em uma seqüência com quartzitos e metassiltitos, mostrando um relevo invertido com altitude média de 1.000 m.

O Grupo Araxá ocupa cerca de 5% do Distrito Federal e está situado no setor Sudoeste. O Grupo apresenta uma litologia de xistos variados com predominância de muscovita xistos, ocorrência restrita de clorita xistos, quartzo muscovita xisto, granada xisto e lentes de quartzitos micáceos. Ainda é possível citar um padrão de relevo distinto, com áreas dissecadas associadas a pequenas áreas de planos intermediários e um comportamento hidrogeológico diferenciado, com aqüíferos de menor importância hidrogeológica para a região (Martins et al., 2004b).

O Grupo Bambuí representa aproximadamente 15% do território do Distrito Federal e localiza-se ao longo do vale do Rio Preto, caracterizado por metassiltitos laminados, metassiltitos argilosos e metargilitos, que afloram em drenagens e raros cortes de estradas, sendo sua maior área recoberta por uma espessa camada de Latossolos Vermelhos (Martins et al., 2004b).

Quanto à geomorfologia da região, ela é dividida em quatro padrões de relevo: o primeiro, Aplainado Superior, ocupa 32% da área e compreende uma topografia de plana a plana ondulada, com cotas acimas de 1000 m e recobertas por latossolos de textura argilosa a argilosa média, apresentando um índice de dissecação baixo; o segundo chama-se Aplainado Inferior, que ocupa 8% do território, com altitudes entre 830 a 1030 m, que se desenvolve sobre ardósias, filitos e quartzitos, caracterizados por extensos interflúvios planos que apresentam latossolos e cambissolos em áreas restritas; o terceiro, Padrão de Colinas, ocorre em altitudes variadas e ocupam 25% da área, caracterizada por apresentar uma dissecação intermediária com vales abertos de baixo grau de declividade recobertos por latossolos e cambissolos; e, por último, o Padrão Dissecado, que ocupa 34% do Distrito Federal e apresenta um elevado grau de dissecação do relevo, com encostas convexo-côncavas e de perfil complexo (com segmento retilíneo), ocorre sobre cambissolos associados a neossolos litólicos e apresentam altos valores de dissecação e densidade de drenagem com presença de padrão dendrítico, o que confirma o controle lito-estrutural desta área (Steinke, 2003; Steinke et al., 2007; Steinke, Sano, 2011).

O Distrito Federal, como um todo, é caracterizado pelo domínio fitogeográfico dos Cerrados, apresentando todos os tipos de vegetação, como o Cerradão, Cerrado Típico, Campo Cerrado, Campo Sujo e Campo Limpo, com árvores de porte elevado até ervas esparsas, formando, portanto, um mosaico com a vegetação de Matas de Galeria e Ciliares em torno dos cursos d’água (Steinke, 2003; Martins et al., 2004a).

3. Resultados e discussão

O primeiro resultado, que abrange todos os elementos selecionados, indica um número significativo de pontos de interesse, pois estão catalogadas 134 cavernas, 27 cachoeiras e 151 jazidas. Isto é, 302 locais que possuem potencial para o geoturismo e/ou geoconservação. Este número sugere a existência de um ponto de interesse para cada 19 km² do território do DF, em média.

O segundo resultado desta investigação é a distribuição espacial destes pontos no território em sobreposição aos elementos geológicos. A figura 5 trata desta distribuição espacial. Com base neste cruzamento, foi realizada a análise do quantitativo de geossítios por subsistema geológico, como está exposto pela figura 6.

Figura 5: Distribuição espacial dos geossítios potenciais.

Figura 6: Quantitativo de geossítios por subsistema geológico. Adaptado de Campos (2004).

Este cruzamento permite algumas considerações peculiares a respeito do potencial geoturístico do DF. A primeira pode suscitar algum estranhamento aos leitores: a indicação das jazidas de exploração mineral como potencial geoturístico. Estes locais, classicamente utilizados apenas para a exploração mineral — no caso do Distrito Federal, em geral, sendo de retirada de materiais de construção —, podem ser locais de valiosa utilização educacional, científica e até mesmo sociocultural, pois permite a visualização das estruturas geológicas, as características litológicas e suas relações com a geomorfologia. Outro aspecto relevante das jazidas é a sua distribuição espacial, pois estão presentes em todos os subsistemas do DF, o que permite o acesso a todos os extratos originários da história geoecológica da área de estudo.

Os demais elementos — cachoeiras e cavernas — estão localizados, em sua imensa maioria, no Grupo Paranoá e seus subsistemas. O Grupo Paranoá pode ser entendido como um grupo de transição de tempos geológicos, pois se situa entre o mesoproterozóico e o neoproterozóico, o que confere ao grupo seis subsistemas. Sobre este complexo de estruturas é que surgem as cavernas e as cachoeiras. As cavernas se concentram na região Norte e Nordeste do Distrito Federal, especialmente sobre formações calcárias, enquanto que as cachoeiras têm uma distribuição mais dispersa neste mesmo grupo.

Por se tratar de um grupo identificado como de transição entre tempos geológicos, o Grupo Paranoá tem uma importante função científica, educacional e também sociocultural. As cavernas permitem observar as formações calcárias tanto da era mesoproterozóica quanto da era neoproterozóica, sendo, portanto, objetos de estudo relevantes e que devem ser conservadas. Já as cachoeiras, por estarem localizadas majoritariamente no Grupo Paranoá, possuem características também de transição relacionadas à geomorfologia do local e, como estão mais dispersas, permitem a observação científica e educacional da transição do meso para o neoproterozóico em diversos pontos do Grupo.

Em cada subsistema visitado por geoturistas, estudantes e recreacionistas em geral, é possível ver os aspectos físicos predominantes do geomorfossítio visitado. Isto é, os visitantes sempre poderão ver a litologia, geologia e geomorfologia dos locais averiguados.

Nas jazidas do Grupo Araxá, é possível ver xistos variados com ampla predominância de muscovita xistos, granada xistos e lente de quartzitos micáceos. Já nas jazidas do Grupo Bambuí, os visitantes terão contato com os metassiltitos laminados, metassiltitos argilosos e bancos de arcóseos, com cor de alteração rosada/avermelhada e com cor de rocha fresca em várias tonalidades de verde. No subsistema F, onde se encontram várias jazidas e uma caverna, poderão ser observados filitos e lentes de quartzitos (Joko, Santos, Campos, 2002; Campos, 2004).

No subsistema A existem jazidas e cachoeiras, sendo reconhecido pelas ardósias roxas, homogêneas, dobradas, com forte clivagem ardosiana e com lentes irregulares de quartzito ocasionais ocupando variadas posições estratigráficas. Quando frescas, as ardósias possuem coloração cinza escuro e são intensamente fraturadas em afloramentos. Nestes afloramentos, o acamamento sedimentar é a única estrutura sedimentar observada (Joko, Santos, Campos, 2002; Campos, 2004).

No subsistema F/Q/M, há apenas uma única caverna, na qual se observam filitos com associação de quartzitos e mármores. No subsistema PPC, onde existem diversas cavernas e algumas cachoeiras, os visitantes poderão observar lentes de metacalcários com camadas e lentes de quartzitos pretos e grossos interdigitados com metassiltitos e metargilitos de cores amareladas, que podem passar a ter tons rosados se alterados. O subsistema R3/Q3 possui algumas cachoeiras e muitas jazidas, e podem ser notados os metarritmitos arenosos e quartzitos. Já o subsistema R4 possui jazidas e cachoeiras e é identificado por seus metarritmitos argilosos com intercalações regulares de quartzitos e metapelitos, com espessuras bastante regulares de ordem de 1 a 3 cm e raramente há diferenciação de pacotes decimétricos de metassiltitos maciços. O subsistema S/A possui metassiltitos maciços brancos com bancos de quartzitos e lentes de carbonatos (Joko, Santos, Campos, 2002; Campos, 2004).

O mesmo cruzamento de informações foi realizado com os padrões de geomorfologia. Partiu-se dos trabalhos de Steinke (2003), Steinke et al. (2007) e Steinke e Sano (2011), nos quais os autores apresentam uma atualização dos padrões de relevo do DF, com mais de 80 unidades de relevo agrupadas em quatro padrões de relevo, com base em parâmetros morfométricos. A figura 7 apresenta o mapa da sobreposição dos padrões de relevo do DF e dos geomorfossítios selecionados. Destaca-se a região Norte e Noroeste do DF, com a maior concentração de geomorfossítios das cavernas e cachoeiras.

Figura 7: Distribuição espacial dos geomorfossítios sobrepostos aos padrões de relevo do DF.

A figura 8 trata de detalhar a quantidade de geomorfossítios por padrão de relevo: essa observação tem como finalidade principal indicar quais são os padrões de relevo que podem apresentar potencialidades maiores, considerando não só a quantidade de sítios, mas, também, as particularidades que possam apresentar potencial ao geoturismo no DF.

Neste detalhamento, o padrão de relevo que se destaca é o padrão de Morros Íngremes para os germorfossitios das cavernas e cachoeiras, as quais possuem maior concentração no Noroeste do DF. Esse padrão de relevo possui estruturas do Grupo Paranoá, região das cabeceiras de drenagem do Rio Maranhão e parte da Chapada da Contagem, a qual está inserida na Área de Proteção Ambiental (APA) do Cafuringa. Nesta APA estão localizados geomorfossítios como: o Poço Azul, a cachoeira de Mumunhas, o Morro da Pedreira, as cachoeiras do Córrego Monjolo, a Ponte de Pedra nas nascentes do Ribeirão Cafuringa, a Gruta do Rio do Sal, o Abismo Fodifica, a Gruta dos Dois Irmãos, entre outras.

Figura 8: Quantitativo de geossítios por padrão de relevo.

Com base nos cruzamentos realizados, o território do DF se coloca como um excelente pólo para o desenvolvimento do geoturismo na região do Brasil Central, pois, neste recorte espacial, existe um elevado número de pontos de interesse que revelam a sua história geoecológica.

Outro aspecto que se revela importante é a indicação das jazidas como um ponto de interesse, pois este elemento raramente seria indicado pela literatura como atrativo ao geoturismo e ao patrimônio geomorfológico e geológico, pois estes locais são utilizados, historicamente, para extração dos recursos minerais e, invariavelmente, são abandonados com baixos índices de recuperação das áreas degradadas. Portanto, a indicação feita busca potencializar estes pontos para a integração com os demais elementos de valoração ao patrimônio geomorfológico.

Conclusões

Este trabalho procurou contribuir com a propagação do geopatrimônio como pilar de difusão do geoturismo, pois incrementa as relações entre os conceitos que podem ser considerados consolidados. O geopatrimônio possui a perspectiva de observar os diferentes conceitos e métodos presentes nas Ciências da Terra, sendo, portanto, um agregador aos recursos naturais observados enquanto patrimônio geomorfológico, pedológico, geológico, hidrogeológico. Estes patrimônios têm, como princípio norteador, a análise das relações complexas de diversos segmentos.

É notável que alguns pesquisadores, principalmente geólogos, equivoquem-se ao utilizar os conceitos de geopatrimônio, geoturismo, geoconservação e geodiversidade. Esta afirmação parte do pressuposto que esses pesquisadores encaram o prefixo “geo” como sinônimo de Geologia e Geomorfologia, o que não é o caso: antes de tudo, “geo” significa Terra, em sua etimologia. Por isso, todos os conceitos abordados por este estudo devem ser analisados de forma complexa, englobando todos os elementos que fazem parte do sistema no qual poderá ser considerado como geopatrimônio. Como exposto até aqui, o geopatrimônio possui diversas possibilidades e há muitos sítios que podem agregar a discussão, como é o exemplo das jazidas.

Além disso, como evidenciado pela literatura científica, os fatores socioculturais são intensamente importantes e podem acrescer ao geopatrimônio, seja pela cultura, religião, mitologia ou historicidade. Portanto, o fator humano/sociocultural não pode ser ignorado, principalmente pela geoconservação, na qual a educação dos residentes e turistas é imprescindível, e pelo geoturismo, o qual movimenta a economia por aplicar valores monetários a todos os setores turísticos.

O Brasil, assim como diversos outros países, focou-se nas discussões sobre biodiversidade e bioconservação e acabou por deixar as questões da geodiversidade e geoconservação de lado. Isto é comprovado pela falta de instrumentos legais para a preservação de geopatrimônio e de geossítios, que são essenciais para o desenvolvimento científico, educacional e turístico, tanto nacional quanto internacionalmente.

Utilizando uma análise complexa dos elementos selecionados — jazidas, cachoeiras e cavernas —, foi possível perceber como estes elementos estão interligados, cada um podendo apontar aspectos geológicos e geomorfológicos do outro elemento. Principalmente as jazidas, utilizadas como recurso geocientífico e geoeducacional, podem expor pontos importantes da geologia e litologia do Distrito Federal, exposições estas que podem ajudar a identificar aspectos que não ficariam claros apenas com a análise de cavernas e/ou cachoeiras. Ademais, o estudo mostra a importância do Grupo Paranoá ser tratado como um grupo geológico de transição, possuindo um sistema complexo onde se formam cachoeiras e cavernas.

Portanto, o estudo reflete, a partir do conjunto de informações levantadas e confrontadas, a necessidade da criação de um inventário da geodiversidade e do geopatrimônio do Distrito Federal, de modo que se possa criar subsídios para o conhecimento de seus potenciais de usos múltiplos para o geoturismo, além de sua geoconservação. Pois tem-se a comprovação de que sua riqueza, em termos de geodiversidade, é um conjunto natural de feições geológico-geomorfológicas, marcadas pela história socioecológica e cultural, apresentando atrativos potenciais à realização de esportes radicais quando se considera suas dimensões, além de sua exuberante beleza cênica.

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Artigo recebido em/ Received on: 15/11/2019

Artigo aceite para publicação em/ Accepted for publication on: 14/12/2019