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REVISTA 2i | ESTUDOS DE IDENTIDADE E INTERMEDIALIDADE
CHAMADA DE ARTIGOS — Nº 12 (2025) : HUMANIDADES MÉDICAS E SAÚDE GLOBAL: LITERATURA, ÉTICA E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
Data limite para submissão de colaborações: 15 junho 2025
Editores: Maria de Jesus Cabral (Un. Aveiro) e Marie-France Mamzer (Un. Paris Cité)
Apresentação
As Humanidades médicas emergem na década de 1970, nos Estados Unidos, num contexto histórico marcado pela contestação à crescente tecnicização da medicina. Este campo pluridisciplinar inscreve-se num movimento mais amplo de interesse das ciências humanas e sociais pela medicina, desenvolvendo-se gradualmente com o objetivo de reintegrar as dimensões éticas, culturais e sociais no âmago do ato médico (Hurwitz, 2015; Fantini & Lambrichs, 2014; Bonnah et al., 2024). Esta evolução encontra um momento decisivo nas reflexões sobre a bioética e a relação médico-doente que Jonsen e Toulmin (1988) desenvolveram no quadro da casuística em medicina, num período em que a sociedade americana tomava consciência do papel determinante dos médicos nas decisões sobre a vida.
Na Europa, particularmente no espaço francófono, as humanidades médicas são devedoras dos trabalhos fundamentais de Georges Canguilhem, filósofo da medicina (Canguilhem, 1983), Jean Starobinski, crítico literário e historiador da cultura (Starobinski, 1963), e Gérard Danou, médico e especialista nas relações entre literatura e medicina (Danou, 1994; Danou, 2007/2015). Enriquecidas pelos contributos da fenomenologia e das ciências sociais, as Humanidades médicas questionam o lugar da pessoa no sistema de cuidados. Contudo, a vontade de reumanizar a medicina conduziu, por vezes, a uma confusão entre humanidades, humanismo e humanitarismo (Gaille & Foureur, 2010; Wenger, 2011).
A literatura constitui, desde tempos imemoriais, um espaço privilegiado para interrogar a condição humana, as experiências de doença e saúde, bem como as complexas relações entre o indivíduo e o seu ambiente (Cabral & Danou, 2015; Cabral, Almeida & Danou, 2017). Jean Starobinski (1977) desvela uma cisão fundamental na medicina moderna, herdada do pensamento cartesiano: a separação entre ciência e sensibilidade. Esta cisão não se configura, todavia, como oposição, mas como complementaridade necessária.
A medicina narrativa, que emerge no final dos anos 1980 nos Estados Unidos, fundamenta-se na integração das humanidades médicas numa abordagem interdisciplinar (Charon et al., 2017). Inspirada na noção de identidade narrativa de Ricœur (1990), desenvolve-se através de três eixos: temporalidade, singularidade e intersubjetividade. A competência narrativa (Charon, 2001) implica uma escuta atenta dos relatos dos doentes, que não se limitam a sintomas biológicos, mas revelam dimensões emocionais e contextuais da experiência vivida. No entanto, como adverte Woods (2011), é necessário evitar a sobre-extensão do conceito de narrativa, reconhecendo a especificidade das diferentes formas de expressão no campo médico.
Os imaginários de antecipação constituem um terreno privilegiado para explorar as questões bioéticas contemporâneas, permitindo testar simbolicamente os limites do humano através de cenários especulativos que ultrapassam as abordagens filosóficas clássicas. Como evidenciam os trabalhos de Hottois (1984, 2017), esta dimensão prospetiva revela-se fundamental para pensar as novas dimensões da responsabilidade numa civilização tecnológica onde a autonomia crescente da técnica questiona a nossa capacidade de decisão e a própria essência do humano (Jonas, 1979). Os dilemas sobre o transhumanismo e a inteligência artificial encontram assim na literatura um verdadeiro laboratório de problematização ética (Cabral & Mamzer, 2022).
No século XXI, enquanto o futuro das humanidades continua a ser amplamente discutido (Aguiar e Silva, 2010; Citton, 2013), as humanidades médicas enfrentam desafios inéditos. Bleakley (2024) sublinha a urgência de ultrapassar uma conceção estreita da saúde para interrogar os laços essenciais entre saúde humana e ambiental. Esta perspetiva, alinhada com o conceito One Health da Organização Mundial da Saúde, é reforçada por Lesne, Gnansia e Laurent (2021), que sublinham a necessidade de incluir nas prioridades planetárias o combate às ameaças à saúde, seja ela humana, animal ou vegetal.
Neste contexto de transformações profundas nas práticas de cuidado, bem como diante dos desafios sanitários e ambientais contemporâneos, este número da Revista 2i propõe-se explorar as evoluções e as novas perspetivas deste campo em constante mutação.
Possíveis tópicos de reflexão:
- Humanidades médicas: tradições, contextos e limites;
- Modelos de integração das humanidades em medicina;
- Literatura e trans/formação em medicina;
- Medicina narrativa: experiências institucionais;
- A noção de caso, entre medicina e criação literária;
- Literatura e saúde global;
- Perspectivas ecopoéticas sobre o vivente;
- Ficção e bioética: imaginários de antecipação;
- Novas dimensões da responsabilidade na civilização tecnológica.
CHAMADA DE ARTIGOS — Nº 11 (2025) : FIGURAS E PERSONAGENS DO FANTÁSTICO: DO HORROR CLÁSSICO À PARÓDIA PÓS-MODERNA
Data limite para submissão de colaborações: 15 janeiro 2025
Editores: Xaquín Núñez, Alessandra Massoni e Teresa Ángeles
Apresentação
Monstros, vampiros, fantasmas, zombies, robôs, super-heróis constituem uma alargada e reconhecível galeria de figuras e personagens da literatura fantástica. A transgressão do real ou da verosimilhança que as narrativas do insólito propõem costuma apoiar-se nas distorções do espaço e/ou do tempo e ainda das personagens que representam a alteridade do humano. Refletem, como nos recorda o filósofo José Gil (2006), o que não somos, mas também o que poderíamos chegar a ser, e enunciam as nossas contradições, limitações e metamorfoses. Quer numa dimensão de perversão ou de aberração, quer numa idealização do super-homem, em que o bem é capaz de vencer o mal, as personagens fantásticas conseguem perturbar-nos pelo que têm tanto de próximas, como de inquietantes.
A narrativa fantástica, representada na literatura, no cinema, na televisão ou na banda desenhada, assentou numa tradição de figurações de personagens que propiciaram diversas reescritas, remakes, adaptações ou ainda homenagens. Desde a sua constituição, frequentemente associada ao terror, ao horror, ao enigmático ou ao thriller, a prática artística foi incorporando novos olhares que possibilitam uma atualização criativa adaptando o comportamento da personagem fantástica aos propósitos ideológicos ou culturais dos nossos dias. Dentro dos paradigmas da pós-modernidade, recursos como a paródia, no sentido desenvolvido por Linda Hutcheon (2001), o grotesco, o ridículo ou a ironia reforçam as capacidades performativas das criaturas fantásticas. E, como expõem Boccuti e Roas (2022), o binómio entre fantástico e humor, longe de responder a uma estética evasiva ou banal, apresenta uma profundidade ideológica e uma contundência expressiva que acrescentam recursos ao insólito e aos seus derivados de horror e terror.
Neste contexto teórico, o presente número temático da Revista 2i propõe-se analisar as continuidades e ruturas que a personagem do fantástico supõe para as políticas e poéticas da identidade contemporânea; estudar as estratégias narrativas que se levam a cabo para uma reatualização das figuras mais tradicionais e reconhecíveis da ficção insólita; refletir sobre as suas revisões e reescritas para adequá-las aos novos paradigmas culturais e às culturas específicas; ou ainda explorar criticamente as porosidades intermediais e as relações que se materializam entre produções literárias e audiovisuais.
Em definitivo, este número da Revista 2i convida a debater como são representadas as personagens e figuras do fantástico hoje, que estratégias são predominantes e o que nos dizem da(s) identidade(s) humana(s).
Possíveis tópicos de reflexão:
- Materializações mediáticas da personagem fantástica: literatura, cinema, televisão, banda desenhada;
- Reescritas das figuras do insólito;
- Dimensões ideológicas do humor, da paródia e do grotesco na construção da personagem do fantástico;
- Universos transmédia em obras ou mitos do fantástico;
- Adaptações e atualizações das figuras e mitos da alteridade em universos culturais específicos.