Chamadas

REVISTA 2i | ESTUDOS DE IDENTIDADE E INTERMEDIALIDADE

 

CHAMADA DE ARTIGOS — Nº 13 (2026) : FRANZ KAFKA: IDENTIDADE, ANIMALIDADE, MEDIALIDADE

Data limite para submissão de colaborações: 15 janeiro 2026
Editores: Orlando Grossegesse (Un. Minho) e Luís Pimenta Lopes (Un. Madeira)

Apresentação

O dia 3 de junho de 2024 marcou o centésimo aniversário da morte de Franz Kafka. A efeméride deu origem a inúmeras comemorações e eventos a nível global, demonstrando a persistente relevância do olhar de Kafka na forma como interpretamos o mundo. As obras de Kafka tratam questões complexas como a identidade, retratando com frequência personagens alienadas de si mesmas, da sociedade e dos próprios corpos. O questionamento da identidade está ligado ao recorrente tema da animalidade, ao fazer uso de figuras de animais para explorar experiências humanas complexas e desafiar conceitos estabelecidos. As suas histórias deslocam as linhas que separam o humano e o animal, criando um espaço humanimal de fronteiras fluidas entre as espécies. A medialidade poderá vincular-se ao conceito de Pure Mediality, desenvolvido por Paul DeNicola (Atropos, 2009): o autor argumenta que Kafka reconhece a violência inerente a qualquer compreensão conceptual da linguagem, e, por isso, concebe a linguagem literária ou poética como capaz de um não-julgamento, que desconstrói qualquer versão previamente determinada do real. Em sentido lato, medialidade refere-se também ao trabalho de Kafka com diferentes media, que se estendeu para além do seu fascínio precoce com o cinema. De um certo modo, antecipou as complexidades e ansiedades da era digital. A obra de Kafka foi adaptada para vários formatos, incluindo o filme, o teatro, e a animação. Estas adaptações, bem como a enorme variedade de receções produtivas dos seus temas e narrativas, comprovam o duradouro legado de Kafka (Lauren Brooks, 2025): "Seja através da literatura, televisão, ou nas nossas próprias interações frustrantes com a burocracia, o legado de Kafka permanece, lembrando-nos do absurdo, do humor, e, por vezes, do desespero que define a nossa experiência como seres humanos".

Partindo das interseções teóricas e temáticas mencionadas no subtítulo, esta chamada para artigos da Revista 2i aceita propostas que iluminem aspetos da obra de Kafka a partir de diversas perspetivas, em interação com outros universos artísticos e literários, e em diferentes media.

Possíveis tópicos de reflexão:

  • Pós-identidade humana;
  • Questionamento do binário humano-animal;
  • Para além das oposições binárias: alteridade e relacionalidade;
  • Poder e linguagem, alteridade, animalidade;
  • Legados de Kafka em (re)configurações literárias, artísticas e mediáticas.

 

CHAMADA DE ARTIGOS — Nº 12 (2025) : HUMANIDADES MÉDICAS E SAÚDE GLOBAL: LITERATURA, ÉTICA E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

Data limite para submissão de colaborações: 15 junho 2025
Editores: Maria de Jesus Cabral (Un. Aveiro) e Marie-France Mamzer (Un. Paris Cité)

Apresentação

As Humanidades médicas emergem na década de 1970, nos Estados Unidos, num contexto histórico marcado pela contestação à crescente tecnicização da medicina. Este campo pluridisciplinar inscreve-se num movimento mais amplo de interesse das ciências humanas e sociais pela medicina, desenvolvendo-se gradualmente com o objetivo de reintegrar as dimensões éticas, culturais e sociais no âmago do ato médico (Hurwitz, 2015; Fantini & Lambrichs, 2014; Bonnah et al., 2024). Esta evolução encontra um momento decisivo nas reflexões sobre a bioética e a relação médico-doente que Jonsen e Toulmin (1988) desenvolveram no quadro da casuística em medicina, num período em que a sociedade americana tomava consciência do papel determinante dos médicos nas decisões sobre a vida.

Na Europa, particularmente no espaço francófono, as humanidades médicas são devedoras dos trabalhos fundamentais de Georges Canguilhem, filósofo da medicina (Canguilhem, 1983), Jean Starobinski, crítico literário e historiador da cultura (Starobinski, 1963), e Gérard Danou, médico e especialista nas relações entre literatura e medicina (Danou, 1994; Danou, 2007/2015). Enriquecidas pelos contributos da fenomenologia e das ciências sociais, as Humanidades médicas questionam o lugar da pessoa no sistema de cuidados. Contudo, a vontade de reumanizar a medicina conduziu, por vezes, a uma confusão entre humanidades, humanismo e humanitarismo (Gaille & Foureur, 2010; Wenger, 2011).

A literatura constitui, desde tempos imemoriais, um espaço privilegiado para interrogar a condição humana, as experiências de doença e saúde, bem como as complexas relações entre o indivíduo e o seu ambiente (Cabral & Danou, 2015; Cabral, Almeida & Danou, 2017). Jean Starobinski (1977) desvela uma cisão fundamental na medicina moderna, herdada do pensamento cartesiano: a separação entre ciência e sensibilidade. Esta cisão não se configura, todavia, como oposição, mas como complementaridade necessária.

A medicina narrativa, que emerge no final dos anos 1980 nos Estados Unidos, fundamenta-se na integração das humanidades médicas numa abordagem interdisciplinar (Charon et al., 2017). Inspirada na noção de identidade narrativa de Ricœur (1990), desenvolve-se através de três eixos: temporalidade, singularidade e intersubjetividade. A competência narrativa (Charon, 2001) implica uma escuta atenta dos relatos dos doentes, que não se limitam a sintomas biológicos, mas revelam dimensões emocionais e contextuais da experiência vivida. No entanto, como adverte Woods (2011), é necessário evitar a sobre-extensão do conceito de narrativa, reconhecendo a especificidade das diferentes formas de expressão no campo médico.

Os imaginários de antecipação constituem um terreno privilegiado para explorar as questões bioéticas contemporâneas, permitindo testar simbolicamente os limites do humano através de cenários especulativos que ultrapassam as abordagens filosóficas clássicas. Como evidenciam os trabalhos de Hottois (1984, 2017), esta dimensão prospetiva revela-se fundamental para pensar as novas dimensões da responsabilidade numa civilização tecnológica onde a autonomia crescente da técnica questiona a nossa capacidade de decisão e a própria essência do humano (Jonas, 1979). Os dilemas sobre o transhumanismo e a inteligência artificial encontram assim na literatura um verdadeiro laboratório de problematização ética (Cabral & Mamzer, 2022).

No século XXI, enquanto o futuro das humanidades continua a ser amplamente discutido (Aguiar e Silva, 2010; Citton, 2013), as humanidades médicas enfrentam desafios inéditos. Bleakley (2024) sublinha a urgência de ultrapassar uma conceção estreita da saúde para interrogar os laços essenciais entre saúde humana e ambiental. Esta perspetiva, alinhada com o conceito One Health da Organização Mundial da Saúde, é reforçada por Lesne, Gnansia e Laurent (2021), que sublinham a necessidade de incluir nas prioridades planetárias o combate às ameaças à saúde, seja ela humana, animal ou vegetal.

Neste contexto de transformações profundas nas práticas de cuidado, bem como diante dos desafios sanitários e ambientais contemporâneos, este número da Revista 2i propõe-se explorar as evoluções e as novas perspetivas deste campo em constante mutação.

Possíveis tópicos de reflexão:

  • Humanidades médicas: tradições, contextos e limites;
  • Modelos de integração das humanidades em medicina;
  • Literatura e trans/formação em medicina;
  • Medicina narrativa: experiências institucionais;
  • A noção de caso, entre medicina e criação literária;
  • Literatura e saúde global;
  • Perspectivas ecopoéticas sobre o vivente;
  • Ficção e bioética: imaginários de antecipação;
  • Novas dimensões da responsabilidade na civilização tecnológica.