Chamadas

REVISTA 2i | ESTUDOS DE IDENTIDADE E INTERMEDIALIDADE

 

CHAMADA DE ARTIGOS — Nº 10 (2024) : MULHERES E(M) REVOLUÇÃO: AUTORRETRATOS DE ESCRITORAS E ARTISTAS IBÉRICAS NO PÓS-DITADURAS

Data limite para submissão de colaborações: 15 junho 2024
Editores: Eunice Ribeiro e Bruno Marques

Apresentação

Durante os regimes de Salazar (1933-74) e de Franco (1939-75), a sexualidade feminina, assim como outras conceções de “sexualidade subalterna” (Guasch, 1997), foi objeto de diversas estratégias de silenciamento. Os modos como a subalternidade era invisibilizada, nomeada pela “negativa” e organizada pelo saber/poder dominantes (Foucault, 1975) retiraram-lhe voz e espaço próprio de representação. Este cenário começa a alterar-se no momento em que novas formas de autorrepresentação destas subjetividades (Chamouleau, 2018) começam a surgir a partir dos anos de transição democrática na Península Ibérica (Gaspar, 2018). Desde a década de 1970, as mulheres organizam-se em forma de ativismo pela libertação, emancipação e enunciação enquanto sujeitos de direito (Riggle; Tadlock, 1999). Essas atividades de resistência geraram subversões de linguagem e fórmulas alternativas de autoenunciação como estratégia combativa, constituindo uma rutura simbólica para com o antigo sistema de invisibilidade sistemática da subalternidade (Gaspar, 2018). Enquanto grupo entendido como minoria social — mesmo se demograficamente maioritário — subordinado ao heteropatriarcado, as mulheres criaram modos de representação próprios contra os sistemas que as discriminaram.

Focada nos tópicos da alteridade e diferença, a autorrepresentação contemporânea na literatura e na arte tem privilegiado questões relacionadas com a afirmação do género feminino e da diversidade sexual. Portugal e Espanha assumem-se, neste sentido, como casos de estudo congéneres dado que partilham um passado histórico recente muito similar — semiperiférico, católico, ditatorial, colonial. Impõe-se, neste sentido, proceder a uma análise comparativa entre os dois países ibéricos, com o objetivo maior de identificar criticamente estratégias tanto comuns como diversas de resistência e empoderamento.

No ano em que se comemora o cinquentenário da Revolução dos Cravos em Portugal, o presente número temático da Revista 2i propõe-se refletir sobre modalidades heterodoxas de autorretrato produzidas nos períodos das pós-ditaduras portuguesa e espanhola por escritoras e mulheres artistas ibéricas que a história da literatura e da arte frequentemente negligenciaram. Para além de acolher com regularidade tópicos da alteridade e da diferença, as mais recentes autorrepresentações de mulheres-autoras convocam com significativa frequência questões relacionadas com a assunção política do género sexual. A estreita ligação da autorrepresentação ao narcisismo e ao confessionalismo faz, por isso, do autorretrato uma via privilegiada para se aferirem mudanças mais ou menos profundas e decisivas ao nível dos costumes e mentalidades, com repercussões diretas no questionamento dos chamados gender roles vigentes num dado contexto sociocultural.

Eis, pois, a principal questão que este número da Revista 2i pretende debater: após os períodos coloniais e ditatoriais, de que modo o dispositivo do autorretrato foi renovado pela literatura e pela arte contemporânea ibérica produzida por mulheres, contribuindo para a emancipação das “subjetividades femininas” anteriormente subalternizadas, segregadas, discriminadas e estigmatizadas?

Aceitam-se contribuições que investiguem a produção autorretratística de escritoras e mulheres artistas ibéricas no pós-ditaduras, a partir dos possíveis tópicos de reflexão que a seguir se indicam.

Possíveis tópicos de reflexão:

  • Escrita e autoria;
  • Diário e narrativas do eu;
  • Corpo, sexualidade e amor;
  • Espelho e máscaras, encenação e travestimentos;
  • Estereótipos e convenções;
  • Liberdade e censura;
  • Memória e trauma;
  • Poder e política;
  • Voz e subjetividade.

 

CHAMADA DE ARTIGOS — Nº 9 (2024) : CONTRADISCURSOS SOBRE A FAMÍLIA: DESFAZER (OS) LAÇOS

Data limite para submissão de colaborações: 15 janeiro 2024
Editores: Ánxela Lema París e Danny Barreto

Apresentação

Num estudo pioneiro, a antropóloga Kate Weston (1991) lançou luz sobre as redes de parentesco que as pessoas articulam além e/ou em conexão com as suas famílias de origem. Essas famílias por escolha são diversas e flexíveis, compostas por crianças (biológicas ou não), amantes, amizades, colegas de trabalho e outras relações que extrapolam os laços biológicos ou conjugais. Estas redes representam mundos sociais alternativos ao familismo (The Care Collective, 2020), bem como economias de cuidado que ajudam as pessoas a enfrentar sistemas opressores como a homofobia, a transfobia, o racismo, a insegurança no trabalho, etc. Desde então, são muitos os trabalhos que têm refletido sobre o parentesco queer, questionando a família biológica e heteropatriarcal, com sua legitimidade jurídica e económica, como a única unidade social possível (Hybris, 2022), mas o debate não parece resolvido. Por um lado, refuta-se a celebração da família queer, uma vez que dificilmente naturaliza o conceito de família (Lewis, 2022) e reproduz o familiocentrismo e, por outro lado, considera-se que a pluralização da família perpetua o sistema atual, em proveito do sistema capitalista patriarcal e heterossexual (Mogrovejo, 2014). Para além desses riscos, que resultam numa estrutura familiar homonormativa, qualquer tentativa de teorizar ou reimaginar as redes de parentesco queer deve atender às formas como os discursos familiares têm sido historicamente usados para justificar a desapropriação e a exploração de grupos racializados e marginalizados (Bradway e Freeman, 2022). Por este motivo, importa recordar que a família, longe de ser um conceito singular e monolítico, continua a trazer consigo diferentes formas de privação ou empoderamento consoante a intersecionalidade das nossas posições na sociedade.

Seja como for, este questionamento da noção de família não interessa apenas à comunidade LGTBI, mas àquelas pessoas de todas as orientações sexuais cujos vínculos afetivos, financeiros, domésticos e outros não seguem as linhas de uma díade conjugal e de uma herança genealógica (Freeman, 2007). Nesse sentido, já a própria Alexandra Kollontai, nos anos 60, identificava a família como a base da opressão das mulheres. Em suma, trata-se de repensar os laços à luz do parentesco raro (oddkin) de Haraway (2020), que não nega os laços de amor, mas busca ampliar as estruturas sem reduzi-las ao âmbito exclusivamente humano, reequacionando-as em chave humanimal (Segarra, 2022). Da mesma forma, quando os feminismos falam em abolir a família, não propõem uma rejeição dos laços afetivos, mas um compromisso com a vida comunitária, horizontal, que põe fim à família como instituição reprodutiva do sistema de classes.

Além disso, observamos também como nos últimos anos se publicou um grande número de ensaios, romances e obras poéticas feministas que questionam uma noção tradicional ou limitada de maternidade ou do que significa ser (ou não) mãe, por exemplo. De modo simultâneo, as políticas, práticas sociais e representações de pessoas não binárias, trans, não monogâmicas, não heterossexuais e não monossexuais estão redefinindo a convivência, camaradagem, família (e papéis de género dentro dela) e quebrando a promessa de felicidade analisada por Ahmed (2019).

Neste número monográfico da Revista 2i exploraremos as imagens e os discursos sobre a família que circulam na literatura e na produção cultural. Os artigos deste volume, portanto, oferecerão uma visão ampla das famílias não normativas do passado ou do presente.

Possíveis tópicos de reflexão:

  • Representações de famílias escolhidas e de redes afetivas de apoio queer e não monogâmicas;
  • Abolição da família: coletividades anticapitalistas;
  • Retratos das relações interespécies e do anti-humanismo;
  • Narrativas de migração e decorrentes coexistências alternativas e/ou intergeracionais;
  • Mapeamentos culturais de convivência em espaços rurais e urbanos.